... anda toda a gente de mal com o Mundo?
Eu até compreendo, a vida não anda fácil, desemprego, mal de amores, mal de dinheiros, etc. Eu própria já tive melhores dias. Mas começo a ver alguma hostilidade (talvez um exagero, mas às vezes é a palavra mais correcta) para com o próximo, sem motivo aparente ou por motivos... vá, fraquinhos, que não justificam esse sentimento.
Situação 1:
Domingo à tarde, a trabalhar (de vez em quando lá calha), chega-me um casal de espanhóis à portagem, a senhora a conduzir. Acontece que deviam ter o título e não tinham, porque lhes tinham dito lá em Espanha que o chip da matrícula dava para passar nas portagens. Estou eu a explicar que isso não se aplicava ali, e porquê, quando começo a ouvir impropérios do marido da senhora. Piorou quando os informei que tinham de pagar a taxa máxima. Percebo, também não gostava de estar na pele deles. A senhora, coitada, a ouvir o marido ao lado a berrar de puta madre para cima, só queria era pagar para se ir embora. Chamei um colega para esclarecer a situação, piorou mais um pouco, até ao ponto do espanhol arrancar as coisas da mão da mulher e começar a sair do carro. Como já não estava sozinha, os ânimos lá amainaram, tive de preencher uma data de papelada porque eles passaram sem efectuar o pagamento e o processo vai ficar em águas de bacalhau, porque são espanhóis. Se fossem de cá, esta brincadeira custava-lhes ao todo quase 800 euros.
Situação 2:
Há bocado, na fila de um supermercado cá da zona, aguardando pacientemente pela minha vez. Duas filas ao lado, uma senhora com uma bébé no carrinho de compras, também à espera da sua vez. Pormenor: tinha posto nas mãos da criança um frasco com aquele granulado colorido que se usa para decorar bolos, para a distrair. Claro que o frasco cai ao chão e parte-se. Acontece, podia ter tido mais cuidado, mas acontece. Ainda senti qualquer coisa no pé, mas sacudi, normalmente, sem problema. A rapariga que estava ao meu lado, escandalizada, pôs-se a passar as mãos pelas pernas, não fosse estar a esvair-se em sangue. Percebo, estavam bronzeadinhas, não devia querer estragar. Mas passou, sem exagero, quase 5 minutos naquilo, com um ar de enjoada que parecia que estava só à procura de uma prova para processar a outra em tribunal. Só lamento a mãe da criança não ter pedido desculpa, ao invés disso fez como se nada fosse. Nem 8 nem 80, não é nenhum crime, mas também não deve ser encarado como perfeitamente normal.
Situação 3:
Poucos minutos depois da situação 2, estando eu a dirigir-me para o parque de estacionamento subterrâneo. Para tal tenho de passar por duas portas corta-fogo e descer umas escadas. Estava na conversa, que é como quem diz a fazer e dizer parvoíces, passo pela primeira porta, a sorrir, abro a segunda, ainda imbuída do espírito sorridente da conversa, quando dou de caras com três pessoas que parece que me queriam bater, tal era a cara. Dou passagem, enquanto seguro na porta, e ainda tenho de me desviar porque passam os três quase em linha (quando dava para termos passado todos ao mesmo tempo, uma fila para um lado e outra para o outro, mas ainda dei o desconto) e como se ainda me estivessem a fazer um favor. Quase me sentia obrigada a ser eu a agradecer...
Isto tudo depois de ter sido tratada como uma analfabeta porque o cartão multibanco teve uma falha de comunicação e a rapariga da caixa ter resolvido explicar minuciosamente como se processava o pagamento, com voz de quem se dirige a uma pessoa com dificuldades visuais ou cognitivas ('primeiro carrega no verde, para confirmar o valor' - pausa para eu carregar no verde - 'pronto, agora tem de aguardar um bocadinho e depois vai aparecer no visor a dizer para colocar o pin do cartão' - pausa para eu o fazer, ela a olhar para o que eu estou a digitar, enquanto começa a subir-me a tensão - só que se distraiu por uns milissegundos e eu fui tão rápida a pôr o pin e a carregar logo no verde que ela olha para mim muito seriamente e diz 'carregou no verde, foi?', ao que eu só consigo responder com um breve 'sim, como sempre'). E lá segui caminho, calmamente, mas a desejar no meu íntimo que ela caísse da cadeira.
Esta conversa toda só para chegar a isto: a vida pode não estar a correr de feição, podemos estar cheios de problemas e com vontade de mandar tudo à ... sim, aquele sítio. Isso implica tratar mal os outros? Um 'bom dia', 'boa tarde', 'boa noite', um sorriso aqui e ali, um 'obrigada' não custam assim tanto. Um bocadinho de calma à vezes pode custar, mas evita situações desagradáveis, tanto para o próprio como para os outros.
Se ficamos maldispostos porque cada vez mais nos vão ao bolso (a propósito, a gasolina já está a 1.82€??), porque ninguém nos dá emprego quando sabemos que temos capacidade para sermos úteis, porque não temos vida amorosa ou a que temos está em péssimo estado, enfim, motivos não faltam, é certo... mas se estamos mal porque é que vamos culpar e/ou maltratar quem não tem culpa nenhuma? Alivia? A mim nem por isso, muito provavelmente nem tratar mal quem merecia me dava gozo ou me aliviava o estado de espírito. Prefiro, ou melhor dito, recorro a outros métodos de 'alívio', mais saudáveis e divertidos (desporto, por exemplo, ou uma caminhada, ou dormir, ou jogar ou distrair-me com um filme). Para os adeptos de violência, jogos de computador, tiros, mortes, zombies, há muita variedade, ou então partir coisas que já não tenham uso nem valor, assim ninguém se chateia.
O que vejo cada vez mais é a atitude de 'se-eu-não-estou-bem-tu-também-não-hás-de-estar-porque-não-és-mais-que-eu', e isso entristece-me (às vezes irrita-me, depende da fase do mês).
Ao mesmo tempo acho alguma piada, porque quase aposto que se algumas dessas pessoas tivessem alguém do governo à frente desfaziam-se em sorrisos e simpatias...