Em 2001, o meu pai foi colocado na Base Aérea de Maxwell, perto de Montgomery, no estado do Alabama. Algum tempo depois, fui lá visitá-lo (que rica vidinha que eu tinha, quem me dera hoje poder fazer o mesmo, aproveitava muito mais a viagem). Fui sozinha de Portugal, num voo com escala em Frankfurt e em Newark, com destino a Atlanta, na Geórgia. A partir daí o meu paizinho ia-me buscar de carro.
Penso que o voo entre Frankfurt e Newark demorou cerca de 11 horas, já não consigo afirmar com certeza. A que vos escreve, esperta como tudo, ficou ao pé da janela, para ver tudo. Só que a esperteza não me valeu de muito... sendo que a maior parte da viagem é feita através do oceano, essa parte perdeu a piada num piscar de olhos. O senhor que estava sentado ao meu lado foi praticamente o caminho todo a dormir, o que seria muito bom se ele não fosse o meu maior obstáculo para chegar ao WC. Nunca consegui dormir em viagens de avião, ficava sempre com a sensação de que não podia perder um segundo que fosse, de tão bom que era. E verdade, não adormeci nem um segundo naquelas horas infindáveis. Nem depois de ver o
Finding Forrester, grande filme que, se a memória não me falha, estava ainda em exibição no cinema em Portugal. Nem depois de mudar de canal e ficar séculos a olhar para o display do mapa, com altitudes, temperatura do ar, previsão de chegada, etc., alternando com a janela do avião. Nem depois de ler e ouvir música. Nem depois de horas a ouvir o estupor do homem a ressonar ao meu lado e eu aflita para ir ao WC. Acordou na hora H, estava a chegar ao meu limite e teria de o acordar.
Enfim, gosto de aviões, não me chateou quase nada serem tantas horas. Se calhar, caso haja uma próxima, peço um lugar de corredor.
Chegando aos EUA, e é de frisar que ainda não tinha ocorrido o 11 de Setembro, passei por 13423456 medidas de segurança, desde ter de deitar o pãozinho com queijo que tinha guardado para as 2 horas de espera entre voos para um caixote de bio-hazard, a ter de esmiuçar todo o conteúdo da minha mala (verbalmente, que eu saiba não me abriram a mala), responder às perguntas da praxe sobre o que ia fazer, quanto tempo ia demorar, com quem ia ter, dispositivos electrónicos - quais e para quê, etc... ia eu com um visto da NATO, o que seria se fosse com um visto de turista e viesse do Iraque...
O voo doméstico foi mais pacífico, fez-se num instante. Chegando a Atlanta, já de noite e de carro a caminho de Montgomery, aconteceu-nos uma típica dos filmes. Íamos numa auto-estrada, quase não se via vivalma, ali a roçar o limite de velocidade (para eles, uma milha acima do limite já é motivo suficiente para nos caírem em cima). A auto-estrada tinha um separador central que era uma espécie de vala pouco funda, com erva alta. Passou um carro por nós, não muito depressa, mas depressa o suficiente para ir a 5 ou dez milhas acima do limite... Em instantes vejo um carro da polícia a sair da vala, luzes e sirenes ligadas, e pensei algo como "pronto, já fomos". Sorte, foram atrás do outro, escusado será dizer que a partir daí fomos sempre 5 milhas abaixo do limite.
Montgomery era uma cidade pacífica, nada de muito especial, mas aquela Base Aérea era um Mundo. Tinha de t-u-d-o. E linda que era, tinha campo e tudo. Esquilos, campo de softball, Burguer King, cantinas várias, fora os edifícios, pistas e hangares.
Percebo perfeitamente como é que naquele país há tanta gente obesa. Eu, se lá vivesse, passaria certamente por essa fase, não tanto por comer muito da mesma coisa mas por ter tanta variedade disponível. Tirei a barriga de misérias, e ainda trouxe algumas coisas. Até pacotinhos de molhos de algumas cadeias de fast food de lá eu trouxe, porque eram tão bons e cá não havia.... e, mania minha, alguns guardei, guardei, guardei, como se de um tesouro se tratasse, até que deixei passar a validade e alguns (poucos, que dei conta do resto) foram parar ao lixo. Que desperdício...
A partir de Montgomery visitámos vários locais, dos quais destaco as
DeSoto Caverns, o Lake Martin e o
Coosa River, em Wetumpka.
|
DeSoto Caverns |
Wetumpka foi sem dúvida o meu favorito. Fomos com um grupo de pessoal lá da base fazer canoagem nos rápidos. Eu, canoagem... e rápidos... Não se afigurava nada de bom, claro. Mas o sítio era tão lindo que me distraí dessa preocupação e até achei boa ideia. Lanchinho, roupa desportiva, fato de banho e lá fomos nós.
Eu e o meu pai ficámos numa canoa, decidimos não arriscar a ir cada um no seu kayak (porque claro que eu não chegaria em bom estado ao final do dia). A primeira parte foi calminha, para nos habituarmos, eu demorei um pouco a atinar com os remos, mas o meu pai ia compensando. Chegámos ao primeiro set de rápidos, foi aí que eu ponderei saltar da canoa fora e nadar até à margem, o meu pai que se safasse sozinho naquelas águas revoltas, violentas e assassinas. Mas não, contive-me, armei-me em forte e passámos o primeiro desafio de forma brilhante. E eram rápidos de classe II, perfeitamente aceitáveis e próprios para newbies ou amadores. "Sorte", pensei eu, "mas isto ainda não acabou, como é que vou sobreviver a isto?". Passámos os segundos, os terceiros, os quartos, sem que nenhum dos dois caísse da canoa. "Boa, afinal isto não é tão complicado como eu pensava, remo para aqui, remo para ali, fecho os olhos nas partes piores e pronto, já está". Algum trabalho a retirar o excesso de água de dentro da canoa, mas nada de problemático.
Até que chegou o merecido descanso, parámos numa zona tão calma que a água parecia um espelho, uns aqui, outros mais à frente, outros mais atrás. O pessoal resolveu que era boa altura para o lanche, e eu prontamente tirei do saco a minha lata de Mello Yello (um refrigerante com sabor não sei muito bem de quê, mas eu gostava, era desse e do Mountain Dew) e qualquer coisa de comer que agora não me lembro o que era, mas que comi num ápice. Sol, calor, íamos mandando umas bocas ao resto do pessoal enquanto lanchávamos. Uma das regras básicas de segurança era uma pessoa não se levantar dentro da canoa, enquanto esta estivesse na água. Foi algo que nos foi explicado no início, e que me pareceu bastante lógico. Não me perguntem porquê, o meu pai resolve levantar-se. Depois de uma espécie de dança índia, que durou coisa de segundos e à qual eu assisti em choque enquanto levava a lata à boca para degustar mais um pouco daquele néctar artificial, comecei a ver o Mundo à minha volta a deslocar-se lateralmente, enquanto a água se aproximava de mim como se me quisesse engolir.
Claro que virámos a canoa e fomos parar à água.
Onde, nos rápidos? Não, na parte mais calma do rio, onde nem uma brisa se fazia sentir.
Depois de uns momentos de confusão em que não sabia para que lado estava virada, se para o fundo do rio se para cima, lá consegui voltar à canoa, que o meu pai entretanto já tinha virado. No meio disto tudo, qual foi a primeira coisa a voltar para o interior da canoa?
A lata de Mello Yello, que eu religiosamente mantive agarrada na minha mão esquerda e que agora deitava uma água acastanhada em vez do líquido amarelo que eu há minutos bebia.
Estava eu ainda dentro de água, ocorreu-me que por aquelas paragens era provável que existissem cobras de água e outros animais (quem sabe tubarões e crocodilos - claro...) que, nesse momento, estavam em massa a dirigir-se para mim para me fazerem mal. Foi por essa altura que eu reparei que estávamos perto da margem e, tão depressa como nunca antes, para lá nadei.
A partir daqui de pouco me lembro, sei que o meu pai depois me veio buscar à margem e que o resto da viagem correu bem, sem mais incidentes. Mas destes minutos lembro-me bem, como se tivessem passado ontem.
Lembro-me que, antes de ir embora, fomos comer a um restaurante mexicano que lá havia, muito caseiro, e bom como tudo. Deve ter sido o sítio onde melhor me soube a comida, mexicana ainda por cima, que eu adoro. O que me faz lembrar que, em todos os sítios onde comi, a bebida tinha refill grátis. Nesse restaurante lembro-me que bebi coca-cola (que cliché) e vinha uma senhora roliça, meia índia, encher-nos o copo com um jarro cada vez que passava pela mesa. Lembro-me de pensar na altura que, se fosse cá, era a selvajaria total. Só quando chegou cá o Ikea é que vi utilizarem o mesmo sistema, e ao princípio bem via a ganância das pessoas, mas penso que entretanto já se tornou num hábito. Mas o que seria se cá em todos os McDonalds pusessem as máquinas de bebidas à disposição de todos...
Outra pequena viagem que fizemos foi ao Lake Martin, com um casal amigo que tinha dois filhos, a Francesca, com 6 anos, e o Benjamin, com 4. Foram a minha paixão no tempo em que estive lá na base. Nessa viagem fizemos um churrasco na margem do lago, nadámos até ficar com as mãos engelhadas, fartámo-nos de brincar. Está bem, eu tinha 18 anos e eles 4 e 6... Ainda cheguei a andar com os dois ao colo, mas assim ao menos compensava o excesso de calorias que andava a ingerir :) Até doeu quando tive de me despedir, eles fizeram questão de juntar umas prendas para me dar, ainda as tenho guardadas. Coisinhas deles, brinquedinhos, joguinhos, desenhos. Fez-me pensar muito no que podia ter sido e não foi, por azares e injustiças da vida.
Tenho pena, tenho a sensação que podia ter aproveitado muito mais, gostava muito de voltar a atravessar o atlântico. Ainda tive tempo de ir visitar a Disney World antes de voltar a Portugal, mas isso fica para outro post.